terça-feira, 13 de maio de 2014

A (não) transa de Dilma e Ney


Ney Matogrosso não é um “careta”, um reaça. Na verdade é um ícone da liberdade sexual. As novas gerações não viram, mas o que os Secos & Molhados fizeram em 1973 foi uma verdadeira revolução simbólica. Em pouco tempo, partiram do underground para uma explosão nacional – no país inteiro, não se falava em outra coisa. O disco de estréia vendeu um milhão de cópias em alguns meses, e tocava direto em quase todas as rádios. De repente eles estavam em todos os jornais e revistas, e na televisão.

O estouro foi pelas razões certas. A música era excelente, tocada por caras como Zé Rodrix, e as letras eram poéticas, porém urgentes, irônicas e contundentes. No centro de tudo, a provocação sexy de Ney Matogrosso. Lá fora, a androginia não era novidade: no fim da década de 60, o glam rock na Inglaterra e a cultura hippie instalaram uma certa confusão de gênero. Cantores como David Bowie, Robert Plant, Roger Daltrey e mesmo Mick Jagger (foto) se pareciam frequentemente com moças bonitas.

No ambiente pós-tropicalista do Brasil, o campo estava aberto para artistas como os S&M e Raul Seixas radicalizarem na simbologia contracultureal (sexo, magia, política) sem abrir mão da cultura popular festeira e dançante. Foi assim com o uso do baião por Raul, e do vira (dança portuguesa) pela banda de Ney – a influência portuguesa vinha do principal compositor e inventor do grupo, o inspiradíssimo João Ricardo. O Brasil veio abaixo com a novidade.

Era um tapa comportamental na cara da ditadura, que estava exatamente em seu período mais repressivo, o governo Medici. Em 1973, Dilma Roussef já havia saído da prisão política, onde ficou por quase dois anos, e onde foi torturada. Expulsa da Universidade Federal de Minas Gerais, retomou os estudos (e depois a vida política) no Rio Grande do Sul.

Dilma parece não gostar em especial de música (numa entrevista à Rolling Stone respondeu sobre seu gosto musical com um genérico “MPB e ópera”), mas não tem como ter escapado ao fenômeno Secos & Molhados. Como não escapa hoje ao macumbão da Galinha Pintadinha.

O detalhe: Secos & Molhados deixaram a esquerda tradicional bastante confusa. Os relatos de minha amiga Ana Maria Bahiana sobre sua passagem pelo semanário Opinião, em que sua primeira matéria de capa foi exatamente sobre o fenômeno da banda, são muito engraçados. Era o segundo emprego dela – o primeiro tinha sido na maluquíssima edição setentista brasileira da Rolling Stone.

Já na imprensa militante, o choque cultural entre a visão de mundo severa e pré-contracultural dos comunas barbudos e o “esplendor natural de Ney” era gigantesco. De certa forma era a continuação do choque entre a estratégia didática da “música de protesto” e a chacrinização da Tropicália, anos antes. O cérebro do editor do Opinião, Raimundo Pereira, se retorcia ao pensar em S&M: “Mas isso não é reacionário, Ana Maria? Se é gay, é pequeno burguês”. Para ele, a revolução de costumes não era revolucionária.



Neste fim de semana, Dilma e Ney se reencontraram virtualmente. Circulou nas redes sociais a entrevista dele à TV portuguesa, em que o cantor detona o governo (veja o vídeo). Obviamente os comentários petistas foram no sentido de desqualificar Ney que, por alguma espécie de mágica, teria se transformado num “reaça”. Sem maiores motivos; talvez a idade.

Ney disse mesmo algumas bobagens e simplificações – provavelmente a pior delas a idéia de que “pobres fazem filhos para ganhar a Bolsa Família”. Mas o que os petistas não conseguem enxergar é que boa parte da fala dele procede. E que, principalmente, não se trata de uma transformação “mágica” de um ícone libertário em um reaça, mas de um sintoma de uma forte onda memética antipetista, ou no mínimo antidilmista.

Que é fruto de uma insatisfação que tem que ser levada politicamente em conta, e não desqualificada. Um blog, por exemplo, chamou a fala de Ney de “Ódio à política”, ao invés de “Ódio ao PT”, ou “Ódio ao governo Dilma”. Ora, o PT não é toda a política – nem sequer é toda a esquerda. Esse é o PT, catatônico e defensivo, que se prepara para perder as eleições presidenciais.

Ney é gay, e os gays (negros, feministas, ambientalistas etc) têm todas as razões do mundo para virarem antipetistas, como sabemos. Na verdade quem fez essa “mágica” da transformação de aliados em inimigos foi o PT, com suas traições ideológicas em nome da “governabilidade”. E a aliança com os setores, esses sim os mais reacionários da sociedade, representados pelas bancadas neopentecostal e do agronegócio.

De 1973 para cá, a esquerda tradicional brasileira parece não ter evoluído muito. Do jornalista que perguntava se a estética andrógina não era pequeno-burguesa ao PT que desqualifica toda e qualquer oposição, principalmente os ataques vindos à esquerda, como “reaças”, parece que até andamos pra trás. Porque àquela época, pelo menos, Ney e os Secos & Molhados tocavam em quase todas as rádios.

A transa de Dilma e Ney continua não rolando. Os comunas velhos continuam burros. O PT, que já foi uma novidade, simplesmente “escorregou” para o lugar dos partidos comunistas estalinistas e autoritários, herdando a sua insensibilidade social. Pior. Hoje é o governo Dilma, e não os generais da ditadura, que quer tirar uma casquinha oportunista do futebol e da copa. E que covardemente só dá satisfações ao Brasil mais moralista e atrasado. Back to 73: a revolução de costumes e liberdades individuais de Ney continua sendo a minha.

fonte:https://br.noticias.yahoo.com/blogs/alex-antunes/a--n%C3%A3o--transa-de-dilma-e-ney-205857532.html
Por Alex Antunes
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