sexta-feira, 31 de maio de 2013

Três vezes Vidigal: no morro, todo gringo é gringo?

Menino empinando pipa divide topo do morro com turistas

A francesa mais carioca do Vidigal gosta de quase tudo no morro, menos de uma palavra que se ouve com frequência por lá: gringo. Jeanne mora há cinco anos na favela, só fica fora alguns meses por ano, quando vai para sua cidade natal, Paris. Ela conheceu o Vidigal durante uma viagem sabática logo depois de concluir a faculdade. Encantada pelo morro que considera “um dos lugares mais lindos do Rio”, a francesa realizou o sonho de muitos europeus que passam as férias na cidade: ficou.

Jeanne é o seu nome do meio, ninguém lhe conhece assim. Ela concordou em contar sua história desde que seu nome inteiro e foto não fossem publicados. Sua relação com a comunidade é uma construção delicada, que ela não está disposta a arriscar.

O título de francesa mais carioca do morro foi brincadeira de colegas que observam a sua adaptação ao etos local. Jeanne fala português com fluência (o sotaque francês é sútil, o carioca é carregado). Sua pele é bronzeada do sol e o cabelo é longo e castanho com mechas claras. Casada com um brasileiro que nasceu no Vidigal, ela brinca, ao cruzar com o filho da vizinha: “eu te conheci na barriga da sua mãe”.
Uma das coisas que ela mais gosta no morro é a proximidade com os vizinhos, que a arquitetura das vielas ajuda a estreitar. Mas entre ela e os vizinhos haverá sempre uma palavra carregada de distância. “Eu não sou ‘gringa’, sou francesa”, ela corrige, quando alguém lhe chama assim. E explica: “Essa palavra me incomoda muito. É como se todos que vêm de outros países fossem iguais”.

Há muitos estrangeiros andando pelo Vidigal, principalmente nos pontos turísticos. No Arvrão, local mais alto da comunidade, são várias as línguas que dividem espaço com meninos empinando pipa. E há os visitantes ilustres, como o ator Will Smith. Em fevereiro desse ano, ele postou no Facebook um pequeno vídeo feito do topo do Vidigal. Na cena, ele filma um menino flamenguista boquiaberto com sua presença, esquecido do carretel de pipa em suas mãos.



A maior parte dos estrangeiros no Vidigal é de turistas, eles vão de passagem como o ator americano ou ficam hospedados nos albergues e pousadas do morro. Nem sempre a relação entre os turistas e os moradores é boa. Alguns moradores se sentem como que dentro de um zoológico quando estrangeiros passam tirando fotos de suas casas. E, como em qualquer parte do mundo, há quem veja os turistas como fonte de dinheiro fácil.

Por mais que sua história no morro seja diferente, eventualmente Jeanne é enquadrada nessa categoria. A categoria “gringo”. Quando voltou de uma de suas viagens, no ano passado, ela notou que o preço da van havia subido razoavelmente. Pensou que era a inflação. No dia seguinte, descobriu que o cobrador lhe passara o preço “de gringo”. Foi reclamar, mas não conseguiu o dinheiro de volta. No serviço de moto táxi que sobe e desce o morro, morador paga R$2,50. O preço “de gringo” chega a R$15.
Passar por esse tipo de tratamento lhe deixa triste, mas Jeanne contemporiza a resistência dos moradores à “invasão dos de fora”. “O Vidigal virou moda. Tem playboyzinho que vem pra balada, paga R$ 100 de entrada e sai falando mal de favelado. Eu acho isso ridículo”.

Anúncio no Facebook de balada no Vidigal

O movimento de estrangeiros e brasileiros “do asfalto” subindo o morro se intensificou com a chegada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em janeiro de 2012. Para chegar à quitinete onde Jeanne mora com o marido, é preciso passar na frente de um albergue, onde há sempre uma viatura da UPP. A diária nesse albergue, onde todos os quartos têm vista para o mar, é R$25. Em Ipanema ou Copacabana, dificilmente sai por menos de R$200, sem vista.

Mesmo com a diferença de preços, é raro ver um brasileiro hospedado no morro. Na noite que passei nesse albergue, a recepcionista era australiana e não falava português. Para Jeanne, os brasileiros têm um medo excessivo das favelas, fruto do modo como a imprensa retrata esses locais. “Se acontece uma coisa ruim, a TV brasileira fica falando sem parar, aterroriza as pessoas”.

Antes da UPP, ela já tentava convencer os amigos brasileiros a quebrar o preconceito com o morro. Certa vez, convidou uma amiga da Tijuca para comer uma pizza na Rocinha, onde Jeanne trabalha como voluntária em uma ONG. O plano da francesa era convencer a carioca de que o lugar é seguro. “Lá dentro foi tudo bem, mas na saída veio um policial gritando que ela tinha comprado droga. Ele botou o terror nela. Era mentira, mas ele queria dinheiro”. Jeanne chamou um amigo que conhecia os policiais, ele conseguiu convencê-los a “liberar” a amiga - que possivelmente nunca mais pisou em uma favela, para o desalento de Jeanne.

O morro visto da perspectiva da francesa é o terceiro da série “Três vezes Vidigal”, na qual esse blog apresenta jeitos diferentes de viver o local. O primeiro foi sobre Mariana Albanese, paulistana para quem o Vidigal é a mistura dos moradores tradicionais com os “de fora”, entre turistas e pessoas como ela, que moram no morro por opção (leia: Uma jornalista presa na favela). O segundo foi Edinho, um morador antigo para quem o Vidigal é parte indissociável de sua história. Hoje, ele tenta se adaptar às rápidas transformações em curso no local e em sua vida (leia: “Assim eu perco toda a minha crioulisse”).
O Vidigal de Jeanne é a casa que ela adotou e que lhe transformou. Os poucos momentos em que ela se sente como um “Ovni” são quando compara alguns serviços públicos da França e do Brasil e se revolta com problemas tidos como “normais” pelos amigos e vizinhos. Jeanne é fotógrafa de moda e volta para a França anualmente porque quase não consegue trabalho no Brasil. A cada vez que visita seu país, ela compara o desenvolvimento das crianças de lá com os alunos da ONG onde trabalha. “Os meninos de 7 anos na França já fazem coisas que os de 9 anos daqui nem sonham em fazer ainda”.

Ela tem uma tia que mora em Ipanema e não se conforma com as escolhas da sobrinha. “Minha tia acha um absurdo morar nessas condições, mas eu já acostumei com os fios puxados, o esgoto que vaza, a rua feia. As coisas que me incomodam não são problemas da favela, são problemas do Brasil”, ela diz.
O episódio que mais lhe chocou, desde que pisou no Brasil, foi o de uma jovem de 20 anos da Rocinha que morreu de tuberculose. “Ela foi para o hospital várias vezes e mandaram de volta pra casa. O Brasil, entre os cinco países mais poderosos do mundo, perde uma jovem pra tuberculose? Eu não consigo achar isso normal. É normal pra você?”.

fonte:http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/tr%C3%AAs-vezes-vidigal-no-morro-todo-gringo-%C3%A9-200813938.html
Por Ana Aranha | Reportagem 3 por 4
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