quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Ração com erva-mate para boi melhora qualidade da carne

A análise das diferentes moléculas presentes na carne mostrou ainda um aumento significativo do ácido linoleico conjugado (CLA) nos bovinos que receberam o suplemento de mate.

Misturar uma pequena quantidade de extrato de erva-mate à ração do gado de corte pode ser suficiente para produzir uma carne com mais benefícios à saúde, mais agradável ao paladar e com maior prazo de validade.

O resultado vem de uma colaboração entre pesquisadores brasileiros e dinamarqueses, projeto que durou três anos e desenvolveu estratégias inovadoras para a produção de proteína animal e de pão.

Apoiado pela FAPESP e pelo Innovation Fundation Denmark (antigo Danish Council for Strategic Research), o projeto “Pão e Carne para o Futuro” foi concluído com um workshop realizado no dia 28 de agosto de 2015 no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP).

Além do efeito positivo do mate sobre o rebanho bovino, a equipe verificou benefícios semelhantes na alimentação do frango de corte, descobriu maneiras mais eficientes e saudáveis de produzir carne curada (como o presunto tipo parma ou a carne-seca) e estratégias para incorporar até 30% de farinha de mandioca à fabricação de pão em escala industrial.

“Conseguimos reunir de forma muito interessante uma equipe multidisciplinar que nunca tinha trabalhado junta, incluindo químicos, microbiologistas, agrônomos, engenheiros de alimentos e farmacêuticos, fazendo experiências que ainda não tinham sido tentadas no Brasil”, disse Daniel Rodrigues Cardoso, professor do IQSC-USP e coordenador da iniciativa do lado brasileiro.

“Hoje, se alguém quiser saber como determinada ração afeta o perfil metabólico da carne, conseguimos responder sem dificuldade a essa pergunta graças ao projeto”, disse.

Além da USP e da Universidade de Copenhague, participaram do projeto a Embrapa e duas empresas, a Centroflora (fornecedora dos extratos de erva-mate) e a Novozymes (que colaborou com as enzimas usadas em diversos experimentos), além de pesquisadores de outras instituições. O investimento nacional na pesquisa ficou em cerca R$ 1,4 milhão, com contrapartida idêntica dos financiadores dinamarqueses.

Macia e sem estresse
De acordo com os pesquisadores, há uma série de indícios sobre os benefícios à saúde humana que podem estar ligados ao consumo do mate. É possível que a erva facilite o controle do peso e modere processos oxidativos e inflamatórios, por exemplo.

Os efeitos do consumo do mate foram estudados em um plantel de cerca de 50 cabeças de gado, que recebiam um extrato da erva em proporções de 0,25% a 1,5% do total de sua ração.

Não houve mudanças no crescimento e na quantidade de carne obtida a partir de cada animal. Por outro lado, os pesquisadores verificaram, em primeiro lugar, que a carne se tornou mais macia e mais elogiada por consumidores, em teste sensorial cego feito com cem pessoas.

“O desempenho foi melhor inclusive nos testes de força de cisalhamento [feitos por um aparelho que verifica a textura da carne]”, disse Renata Tieko Nassu, da Embrapa Pecuária Sudeste.

Essa substância, explica Cardoso, tem papel anti-inflamatório e pode também auxiliar na diminuição do nível de colesterol de quem a consome. De quebra, atua como antioxidante – ou seja, reduz a formação de moléculas altamente reativas no organismo, que podem causar danos às células. Isso não só é bom para a saúde como também contribui significativamente para aumentar o tempo de prateleira da carne.

Tudo indica que esse efeito benéfico é mediado pela atuação do consumo de mate sobre as bactérias do sistema digestivo dos bois, favorecendo a multiplicação de certos microrganismos. Isso, por sua vez, altera a maneira como o gado absorve nutrientes e, consequentemente, afeta a qualidade da carne.

Além disso, os pesquisadores também observaram uma aparente redução do estresse e melhora no bem estar animal, o que também ajuda a melhorar a qualidade da carne.

Para que a suplementação seja aplicada em larga escala nos rebanhos do país, o próximo passo é achar uma maneira mais econômica de oferecê-la aos animais, segundo explicou Rymer Ramiz Tullio, da Embrapa Pecuária Sudeste.

A questão é que, nos experimentos, foi usado um extrato feito seguindo padrões da indústria farmacêutica, o que encarece o produto. “É preciso verificar se a administração direta das folhas de erva-mate tem o mesmo efeito ou então usar o resíduo que é descartado na produção do extrato, o que também seria bem mais barato”, disse Cardoso.

Mais mandioca
Ampliar o potencial de uso da mandioca na indústria panificadora mundo afora foi outro objetivo-chave do projeto. Como não há expectativa de expansão das áreas de lavoura de trigo no planeta, incluir farinha de mandioca em pães e outros produtos aumentaria a segurança alimentar de muitos países, em especial os de clima tropical.

O grande desafio, conta a pesquisadora dinamarquesa Ulla Kidmose, da Universidade de Aarhus, é compensar a ausência da rede proteica de glúten que está presente na massa de pão feita exclusivamente com trigo.

“Já a mandioca é praticamente só amido, com pouquíssima proteína. E é justamente o glúten do trigo que aumenta o volume do pão e dá a ele uma textura mais suave, duas coisas que, para a indústria, fazem muita diferença”, explicou.

Essa dificuldade, no entanto, foi contornada graças à escolha da variedade de mandioca mais apropriada para a fabricação da farinha e ao uso de um coquetel de enzimas que modificam ligeiramente o processo de fermentação da massa. Com tais ajustes, foi possível fazer com que até um terço da farinha usada na produção do pão fosse de mandioca.

Ulla afirma que a tecnologia poderia ser transferida imediatamente para a indústria, sem muita dificuldade ou custo. “O problema que eu vejo por enquanto é de aceitação, ao menos no mercado europeu ou do hemisfério Norte de maneira geral, porque pouca gente por lá conhece a mandioca hoje”, disse.

Apesar das diferenças de clima, cultivares e animais de criação, Dinamarca e Brasil têm muitos interesses em comum na área da ciência de alimentos, como destacou o coordenador dinamarquês do projeto, Leif Skibsted, da Universidade de Copenhague.

“Os problemas básicos que temos de enfrentar são mais ou menos os mesmos, independentemente do país”, disse Skibsted, que visita a USP de São Carlos ao menos uma vez por ano desde 1998 e foi co-orientador de Daniel Cardoso durante o período em que o pesquisador brasileiro esteve na Dinamarca em seu doutorado-sanduíche.

fonte:agencia.fapesp.br
Reinaldo José Lopes | Agência FAPESP
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